O silêncio do cipreste
- Guilherme Alexmovitz
- 12 de mai. de 2020
- 2 min de leitura
Atualizado: 12 de jan.

Ainda no início de minha vida profissional, uma paciente que eu já atendia há um ano chegou ao consultório muito abalada. Ela contou que naquele final de semana que passara, os pais de seus dois afilhados foram ao teatro, deixando seu casal de filhos pequenos dormindo, e que, ao voltarem ainda naquela noite, encontraram os filhos em suas camas, mas sem vida. Aparentemente um vazamento de gás ocorrera em seu apartamento e causara a tragédia. Ambos morreram dormindo em suas camas.
A paciente conta o ocorrido e desaba em lágrimas, entrando em um silêncio profundo e solitário. Abandonada nela mesma e em sua tristeza, vi-me em um dilema: queria consolá-la, dizer o quanto aquela tragédia me impactara, queria
abraçá-la. Mas tomado e confuso por tantos sentimentos me percebi em silêncio. E chorei. De repente, em silêncio chorávamos juntos. Ela, em seu choro, esboçava um leve sorriso ao perceber que não chorava sozinha. Sim, em silêncio chorávamos juntos. Qualquer fala, qualquer comentário, qualquer consolo, seria apenas ruído. Seria abandoná-la em sua tristeza. O silêncio era nosso abraço. E abraçados assim permanecemos até o final da consulta. Ela então se levantou ao ver a hora, enxugou o rosto com um lenço, me agradeceu com um sorriso e foi embora.
O que é o silêncio, se não a voz da linguagem? Em silêncio não falamos, mas dizemos muito. Dizemos aquilo que correspondemos no pensar. É um dizer mais sincero. Não é verborragia, não é manipulação, não é falatório. O silêncio con-diz com o que se escuta. Ele nos conduz àquilo que nos é mais próprio, àquilo que nos diz mais respeito. Esse silêncio, que não é apenas ausência de som, doa à fala e à palavra a própria linguagem, desde que aí esteja resguardado ele mesmo, o silêncio. Nesse resguardo, nesse cultivo, o silêncio acolhe e colhe o homem em seu solo mais fundamental. Sobre tal solo, ambos, eu e o outro, nos sustentamos e somos sustentados. Deixamos os homens e tornamo-nos humanidade. Habitando essa terra semeada pelo silêncio e recolhidos pelo pensar, ouvimos juntos o som dos pássaros e das cigarras, do riacho e do vento que sopra as copas das árvores ao longe. E podemos ouvir o velho poeta cada vez mais próximo: 'é o silêncio do cipreste, escoltado pela cruz.'
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